Só restou a esperança

Debaixo do sol ardente do meio dia, Matlhombe posiciona-se numa das paragens dos subúrbios das acácias. O calor é intenso e faz escorrer rios de suor sobre o seu corpo que, há horas, aguarda ansiosamente pela chegada das senhoras regressadas do Zimpeto, com Xidjumbas de legumes e vegetais. Impaciente, Matlhombe estaciona as suas nádegas sobre o ferro quente do volante do Tchova, o seu instrumento de trabalho, arregaça as mangas da camisa branca cheia de nódoas, cruza os braços e acompanha com atenção os passos dos carros que desfilam pela Julius Nyerere. Observa tudo o que acontece ao seu redor, lê as letras estampadas na testa dos chapas, que indicam as respectivas rotas, esperando ver alguma mercadoria a desembarcar no local.

A jornada de hoje é atípica, as revendedoras dos alimentos do grossista tardam a chegar. Na sua mente, Matlhombe já visualiza projeções pessimistas sobre o desfecho do dia, caso não haja carga por levar no Tchova. Para falar a verdade, Matlhombe já morreu, só restou a esperança de um final feliz. A sua maior vontade é arrumar o Tchova, porém a despensa vazia fá-lo pensar duas vezes. Levanta-se, sacode a poeira das calças, prepara-se para se recolher, mas ainda prende a atenção aos movimentos da paragem.

Desiludido com o rumo dos acontecimentos, Matlhombe decide aguardar numa sombra, atento às chegadas e partidas de tudo e de todos, pois tem nos carregamentos a sua única fonte de sustento. Sem aquele trabalho, ele, a sua esposa e os seus dois filhos adolescentes ficam entregues à própria sorte, sem o que comer nem beber. O ar ferve, a temperatura sobe ainda mais, pois o sol já se encontra exactamente no meio do céu, momento em que a esfera celeste parece estar à poucos metros da terra, mas o dilema de Matlhombe parece estar cada vez mais longe de ser resolvido. Até passam pela estrada chapas com cargas nas bagageiras, mas nenhum deles desembarca naquele ponto.

Com a mão direita, Matlhombe vasculha os bolsos fundos das calças pretas que traz, retira de lá um Vaslap, lavado e dobrado cuidadosamente pela sua esposa, e passo-o sobre a superfície do seu rosto escuro, enxugando o suor salgado que a pele não pára de produzir, em meio à temperatura infernal que se faz sentir. Limpa a cara, depois o pescoço. De seguida, abre os botões de cima da camisa, esfrega o pano sobre o peito e, por fim, visita os sovacos.

Já é uma da tarde em todo o território nacional, mas até agora nada de mamanas, muito menos de tomates, cebolas ou pimentos. Matlhombe suspira preocupado, a paciência está prestes a morrer, também. Coloca-se de pé, caminha até bem perto da estrada, leva a mão para a parte superior das sombrancelhas (em jeito de sombra) e lança um olhar profundo pela faixa de rodagem por onde chegam os carros provenientes do Zimpeto. De longe, avista apenas viaturas ligeiras, aparentemente pessoais. Decepciona-se, enterra as esperanças ainda vivas, e acredita totalmente que o dia está perdido.

Triste com o que viu, retorna ao Tchova, ergue o volante, dá arranque ao veículo e segue lentamente. Empura com mais força, mas a coisa não pega. A sua força é insuficiente para transladar toda a frustração que colocou sobre o Tchova. Enquanto caminha, lamenta-se, vira-se para trás periodicamente, pensando em voltar à paragem e aguardar por mais alguns minutos, mas está incrédulo, nunca antes viveu experiência igual.

De tanto que está aborrecido, nem se apercebe das saudações que vai recebendo enquanto caminha de baixo do sol. Vários conhecidos seus acenam, levantam as mãos e até assobiam, mas Matlhombe reage com indiferença. Anda cabisbaixo, não sabe o que vai dizer à esposa quando chegar à casa. Ao pensar nos filhos ainda miúdos que estão sentenciados à fome no dia de hoje, abranda, conclue que não há sentido algum em chegar à casa apenas com o Tchova. Divide-se entre seguir em frente com um problema não resolvido ou retornar, dar alguns passos atrás e arriscar-se na busca por uma solução incerta e improvável.

Durante os seus cálculos, escuta uma voz insistente chamando o seu nome. Procura saber de onde vem e é chacualhado o peito por uma senhora suada, a respirar de maneira ofegante, após arrastar o seu corpo pesado, em jeito de esforço, para alcançar o Homem do Tchova. Ficam frente a frente e se encaram. Saudam-se usando a língua local, por fim,a senhora aponta o dedo indicador para a paragem, onde estão suas duas colegas com troxas, todas regressadas do grossista Zimpeto.

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