Estamos a ler pouco

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Recorremos novamente àquele trecho bíblico, do livro de Jeremias, no Velho Testamento, que diz: o meu povo padece de ignorância.

Na verdade, é um lamento de alguém consciente de que sem conhecimento e sabedoria o progresso é uma miragem.

Os livros que constituem a Bíblia Sagrada são milenares. Entretanto, nesta circunstância, por uma razão triste, ainda retratam um quadro emoldurado e pendurado no nosso quotidiano.

É recorrente ouvir docentes universitários a queixarem-se da qualidade de muitos estudantes que têm recebido. Dizem que nem sequer conseguem formular um pensamento estruturado e coerente. Há um número significativo que ingressa no nível superior com vícios intelectuais grosseiros, com uma dose absurda de censo comum.

O raciocínio, imediatamente, conduz-nos de volta para um grito para o qual não temos visto respostas à altura da gravidade da situação: lê-se pouco, muito pouco, quase nada. A opinião pública cai em cima dos professores primários, os professores caem em cima dos pais, outros condenam os conteúdos das estações de televisão e há quem atira as culpas aos smartphones. E a culpa vai passeando, contornando, uma possível solução.

O que está a acontecer no ensino superior é consequência desse quadro pendurado, exibindo o nosso quotidiano, ao lado desse elefante branco, no meio da nossa sala. O jovem chega ao ensino superior sem desenvolver o hábito de leitura, não que seja obrigatório que goste, mas que lhe reconheça a verdadeira importância.

Nas ciências sociais, por exemplo, há vários casos de licenciandos que têm a ilusão que é só “meter um bom papo, o docente vai render!”. E o sistema todo é conivente, pois, vai permitindo que essa juventude vá vivendo assim e assumindo que “tá-se bem”.

Parte dos trabalhos que os docentes vão recebendo durante a formação não passa de copy and past de pesquisas disponíveis na internet, sem o mínimo enquadramento, pois o discente não tem a mínima noção do que aquilo significa e é-lhe atribuído 15 valores. A falsificação, a burla, o caminho fácil, compensam. É essa a mensagem que fica.

Uma das consequências visíveis desse vício do sistema é que quando chegam ao fim do curso, a monografia é uma autêntica dor de cabeça, pois, é a primeira vez que o estudante se vê na obrigação de desenvolver um pensamento. Claro, como é natural, fazem o que aprenderam, uns optam por comprar monografias e outros em continuar a fazer copy and past, ignorando, este segundo grupo, um espectro metodológico que viabilizaria o alcance das respostas que esse documento deve trazer.

No dia da defesa, caso o licenciando cruze com um oponente da sua estirpe, o deixará e a estupidez, com efeito, ganhará um título que era suposto ser o carimbo de uma qualificação.

Para além de comprometer o desenvolvimento de áreas profissionais, estes indivíduos inviabilizam o crescimento do país.

Por outro lado, as monografias que produzem ficam disponíveis nas bibliotecas da academia. Com o passar dos anos tornam-se referências que irão viciar a história com dados falsos. A academia capta o seu tempo.

Apenas continuamos a escrever porque não podemos desistir, apesar de sabermos que o que cá está redigido passará de letra morta. Até porque é provável que nem seja lido. 

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É licenciado em Jornalismo, pela ESJ. Tem interesse de pesquisa no campo das artes, identidade e cultura, tendo já publicado no país e em Portugal os artigos “Ingredientes do cocktail de uma revolução estética” e “José Craveirinha e o Renascimento Negro de Harlem”. É membro da plataforma Mbenga Artes e Reflexões, desde 2014, foi jornalista na página cultural do Jornal Notícias (2016-2020) e um dos apresentadores do programa Conversas ao Meio Dia, docente de Jornalismo. Durante a formação foi monitor do Msc Isaías Fuel nas cadeiras de Jornalismo Especializado e Teorias da Comunicação. Na adolescência fez rádio, tendo sido apresentador do programa Mundo Sem Segredos, no Emissor Provincial da Rádio Moçambique de Inhambane. Fez um estágio na secção de cultura da RTP em Lisboa sob coordenação de Teresa Nicolau. Além de matérias jornalísticas, tem assinado crónicas, crítica literária, alguma dispersa de cinema e música. Escreve contos. Foi Gestor de Comunicação da Fundação Fernando Leite Couto. E actualmente, é Gestor Cultural do Centro Cultural Moçambicano-Alemão

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