Albino Mbie e nós com a guitarra

Embalado na atmosfera dos acordes de Eric Clapton convidado por BB King, a memória resvala no mítico espectáculo do Estádio da Machava a rebentar a costura, de abarrotado, organizado por Aurélio Le Bon.

Com o silêncio do fim de “Riding with The King”, recupero o facto de os pioneiros da música ligeira moçambicana terem em comum, entre os protagonistas: as improvisadas guitarras com recipientes de óleo e azeite. A Marrabenta está repleta de nomes que seguiram esse rumo.

O Xirico, conectado a Antena Nacional, nas duas últimas décadas do século XX, reproduzia Fany Mpfumo, Alexandre Langa, Nanando, Gito Baloi, Jimmy Dludlu. A este naipe, a segunda década do nosso século introduz outro nome: Albino Mbie. Está nomeado para o Boston Music Awards.

Mano Dibango, quando esteve em Moçambique, para lançar o álbum “M&M”, no qual soprou a convite do saxofonista Moreira Chonguiça, expressou a necessidade de trazer “o barco de volta para casa”. O Jazz, género executado por Mbie, nasceu do cruzamento de culturas africanas cujos primeiros executores partilhavam o sofrimento da escravatura. As referências dos protagonistas da narrativa que corre, quando olhamos, por exemplo para a história da Marrabenta escrita por Rui Laranjeira, são os lendários Charlie Christian, Django Reinhardt, Wes Montgomery, Joe Pass. Norte-americanos.

O mundo, porém, ainda não terminou de ser inventado. Albino Mbie, jovem do Benfica, periferia da cidade de Maputo, formado no Berklee College of Music, é um dos seus novos construtores, se assumirmos que a arte participa na construção de significados para a existência humana.

Detentor de uma singular capacidade de composição e arranjos que podem, facilmente, acabar ofuscados pela execução da guitarra, marca passo para uma carreira internacional.

O Boston Music Awards, em teoria, pode estender o tapete vermelho, que o levará a penetrar noutros universos, aceder a outros públicos, do especializado ao mainstream que acompanha a cena – apesar de, nalgumas vezes, apenas para apropriar-se da harmonia e criar réplicas supérfluas, que estão a viciar a audiência.

Nos seus dois álbuns, “Mozambican dance” e “Mafu”, Albino Mbie é plural. Se o primeiro é um concerto íntimo, introspectivo, o segundo é mais expansivo, mais aberto a outras propostas sonoras. Nisto encontra paralelo, na literatura, com o poeta Nelson Lineu de “Cada um em mim” e o de “Asas de água”.

“Mozambican Dance” é um lugar de amores e frustrações que ainda ecoa pela emoção investida. “A wussiana”, não liberta a audição, permanece. “Mafu” introduz outros vocábulos para a sua guitarra, comprimindo a densidade que os acordes do primeiro libertavam.

Albino Mbie, não obstante, continua a sua tranquila conversa com o instrumento. Neste trabalho revela-nos que não permitiu-se ancorar-se na primeira obra e foi experimentar outras possibilidades.

O jovem é, por outro lado, a continuidade de uma tradição de exímios executores moçambicanos, a qual, pelo seu percurso, acrescenta as influências de Richard Bona, Lionel Louecke, Jonathan Butler e George Benson.

Severino Ngoenha, quando questiona o Momento da Arte Moçambicana, a sua origem (talvez), sugere que o nosso berço é Harlem. A poesia de José Craveirnha e a fotografia de Ricardo Rangel são esclarecedoras, nesse quesito. Em entrevistas, vários músicos nacionais assumiram tal facto, como pode ler-se na compilação do jornalista Amâncio Miguel, por exemplo. Alguns deles ainda animam-se com alcunhas como – a influência não prende-se apenas a guitarra – Miles Davis, Louis Armstrong de Moçambique.

Mbie impõe-se no cenário internacional, justamente a partir do território do Uncle Sam. Não deixa, este facto, de ser a materialização de um projecto de gerações. Por outro lado reforça a nossa relação com a guitarra, um dos símbolos da nossa música.

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