Beira, Surge et Ambula!

Por Leonel Matusse Jr.

AS notícias que chegam da Beira não são nada animadoras. São, pelo menos, perto de 500 óbitos, oficialmente, identificados. É como se o inferno tivesse transferido o seu endereço para aquela cidade.

Com imagens de avenidas “depiladas”, quase “carecas” dos edifícios e árvores de outrora, o caos mostra o seu rosto. O desespero de pessoas que perderam familiares e bens que levaram a vida inteira a consegui-los, atestam as trevas, que os nossos irmãos beirenses vivem desde o ciclone Idai. É como escreveu Mia Couto, em reacção, parece que a urbe do Chiveve foi “condenada ao escuro, ao luto e ao silêncio (…) [pois] não há mais chão”.

Os gestos bonitos de solidariedade – a provar que a humanidade a viver com mais amor não é uma miragem – são àquela luz, lá, no fundo do túnel. Dizemos lá porque a situação ainda é crítica e a normalidade – se é que um dia voltará a ser vivida pelas vítimas – está distante.

Algumas equipas de heróis, isto é, de militares, médicos e voluntários de variadas áreas já estão a anunciar o regresso para as suas casas. E assim será com todos os outros que se deslocaram a Beira com a finalidade de apoiar às vítimas.

É com os olhos no que vai acontecer depois do susto que as atenções agora devem estar a virar-se. Os escombros e as ruínas, tanto as de edifícios quanto as físicas e as espirituais precisam de ser removidas para que se prossiga rumo à nova Beira.

A esta altura, recordamo-nos do poeta luso-moçambicano, Rui de Noronha, a gritar, quase desesperado, no poema  “África, surge et ambula!”, que devemos acordar, levantar e abrir a cortina para que a luz entre e construamos a vida que desejamos.

Partindo do poeta, convidamos os nossos irmãos a reerguerem-se para seguir em frente e continuar a peregrinação até ao destino final, ao progresso. É preciso deixar as lágrimas e  erguer-se para começar a reconstruir o destruído. Arregaçar as mangas para construir novamente.

Por outro lado, não apenas a cidade da Beira, o centro e o país devem estar preocupados, mas o mundo todo porque o ciclone foi apenas uma das amostras do que nos irá acontecer com o planeta, caso continuemos a ignorar ao aquecimento global.

Há anos que cientistas denunciam que a forma como tratamos do planeta está a criar feridas na camada do ozono e a derreter os glaciares, bem como a destruir a forma como a natureza foi se comportando durante milénios.

O escritor angolano, Eduardo Agualusa, recordou-nos, em entrevista ao Público (Pt) que “é uma coisa que se vai repetir; estamos a entrar, no mundo todo, num tempo novo, que é um tempo de grandes desastres resultantes do desequilíbrio do clima e do ambiente”. Nesse alerta ainda disse: em países como Moçambique, e em Angola também, e nos restantes países do sul, tem de se pensar como viver nesta nova situação; como viver num mundo sujeito a ciclones deste tipo.

No mesmo diapasão, o escritor ainda chamou atenção para o tipo de agricultura e outras formas de indústria que na Europa já não são aceites mas estão a ser ensaiadas em países como Moçambique. Beira, levante-te e caminhe. Surge et Ambula!

 “África, surge et ambula!”

Dormes! e o mundo marcha, ó pátria do mistério.
Dormes! e o mundo rola, o mundo vai seguindo…
O progresso caminha ao alro de um hemisfério
E tu dormes no outro sono o sono do teu infindo…

A selva faz de ti sinistro eremitério,
onde sozinha, à noite, a fera anda rugindo…
Lança-te o Tempo ao rosto estranho vituério
E tu, ao Tempo alheia, ó África, dormindo…

Desperta. Já no alto adejam corvos
Ansiosos de cair e de beber aos sorvos
Teu sangue ainda quente, em carne sonâmbula…

Desperta. O teu dormir já foi mais que terreno…
Ouve a Voz do teu Progresso, este outro Nazareno
Que a mão te estende e diz-te: — África, surge et ambula!

Rui de noronha

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