PEDRAS

Por Elton Pila
E o vento voltou a soprar, era fim do dia. A lua demorava-se, réstias de brilho do sol atardavam a noite. O mar revolvia-se, agigantava-se. Logo logo, suplantaria a margem. Mas ainda alguns banhistas se deixavam salgar.

Longe da multidão que se fazia cardume, um jovem quase homem, feições calcadas pelo sofrimento, cor de ébano mas empalidecida pelo sal, saía do mar, levando pedras. Lançava-as na margem como quem quer parar a progressão das ondas. Ao mar voltava e de lá tirava mais, cada vez mais, cada vez maiores.
As pessoas na margem desconversaram para voltar os olhos àquele afazer quase que hercúleo.
“O que está a tentar este moço fazer?”  perguntou uma mulher em viva voz, mas esperando do homem que a acompanhava a resposta.
O jovem parou para contemplar uma gaivota que acabava de pousar no monte de pedras que se erguia. O homem levou a garrafa de cerveja à boca.
“Está a tentar matar-nos o mar!”.  A resposta demorou-se o tempo de um trago – “Primeiro tira-nos as pedras. Depois a areia. Depois a água” – Embebeu um longo gole da cerveja – “Depois ficamos sem tudo, sem mar”, disse isso e, imediatamente, pensou nas possibilidades de coisas que podiam ser construídas no espaço ocupado pelo mar. Talvez escolas, hospitais, residências, esquadras, talvez uma vila, uma cidade, talvez um país, porque não um país? Existem países tão pequenos, pequeninitos.
Sentiu vontade de também entregar-se àquele afazer. Mas limitou-se, depois de mais um trago, a esticar o braço, empunhando a garrafa, em posição de brinde e dizer “Continua, meu jovem. Serás o Presidente desse país a nascer.”
Soou uma gargalhada colectiva. A ave levantou o voo. O jovem moveu os lábios, uma expressão perdida entre o esboço de um sorriso e o aborto de uma resposta. Voltou ao mar. A água chegava-lhe ao pescoço. O céu escurecia. Tirou outras pedras, cada vez mais, cada vez maiores.
O pano da noite já havia caído, os banhistas estavam na berma da estrada, a lua emanava o prateado sobre o mar gigante, agora sem margem. O jovem, que esperava pela manhã que trazia o sol para apequenar o mar, pensou no homem  que, mais cedo, quando as dunas separavam as águas, ensaiou um mergulho que vermelhou parte do mar.
 

eLTON pILA2

Sonha em mudar o mundo. Acredita no jornalismo e na literatura como agentes desta mudança. Colabora em alguns jornais, revistas e festivais de literatura. Actualmente, é redactor da Revista Literatas e tem a coluna semanal Como Sopra o Vento

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