Por Leonel Matusse Jr.
Partidas de idas? De encontros falhados? Ou as que se esfacelam em silêncios? Estas perguntas ecoaram em mim ao assistir Strangers (2023), filme nigeriano dirigido por Biodun Stephen. Uma narrativa que escava as feridas do amor contemporâneo, onde corpos se tocam, mas almas permanecem estrangeiras.
O cinema nigeriano, desde os seus alicerces com Ola Balogun e as suas narrativas pós-coloniais até às estruturas erguidas por Tunde Kelani com estéticas vernaculares, sempre foi espelho de contradições sociais. Strangers habita este legado, mas com um olhar cru sobre a intimidade urbana. Acompanhamos Adunni (Bimbo Ademoye) e Deyemi (Deyemi Okanlawon), dois amantes acidentais cuja conexão é tão frágil quanto um sinal de Wi-Fi. O filme expõe o paradoxo das relações líquidas: partilham-se corpos, mas não códigos emocionais.
Stephen constrói a sua crítica através de uma câmara que age como bisturi. Os planos fechados nos rostos revelam sorrisos tão artificiais quanto filtros digitais; os diálogos cortantes condensam dores não ditas, lembrando a economia poética de Énia Lipanga – onde cada palavra carrega o peso do não dito. O que se parte aqui? Primeiro, a ilusão do amor romântico. Não há traição clássica, mas a traição das expectativas, simbolizada no jantar de aniversário onde um relógio de presente é recebido com um olhar vazio.
Depois, parte-se a linguagem do corpo. A sensualidade em Strangers é pálida, como “sol tentando queimar neve” (nos termos de Lipanga). As cenas de intimidade são mecânicas, revelando não violência física, mas a violência subtil da ausência. Por fim, parte-se o próprio tempo – os flashbacks não esclarecem, apenas repetem a ferida, como estilhaços que se reencaixam para magoar de novo.
O filme dialoga com a tradição literária nigeriana. Se em Things Fall Apart, de Achebe, via-se o colapso de um mundo, aqui assistimos ao desmoronamento do contrato amoroso. Adunni, como a protagonista de Second Class Citizen, de Emecheta, remove a maquilhagem social para encarar um amanhecer que não a espera.
Strangers não oferece respostas. Como na poesia de Lipanga, condensa a dor em imagens, mas recusa-se a nomeá-la. Talvez porque, por vezes, a arte não deva curar – apenas sangrar connosco, lembrando que certas fracturas são invisíveis, mas não menos reais. O que o filme parte, afinal? Não o casamento das personagens, mas a nossa crença de que o amor pode ser traduzido em palavras ou imagens completas. Restam apenas fragmentos – e a pergunta que ecoa após os créditos: quando dois estranhos se encontram, quem é realmente o forasteiro?