Recordar não é voltar atrás,
mas levar adiante àquilo que não pode ser esquecido

Uma obra de arte não morre com seu criador; ela atravessa gerações, ressignificando-se conforme novos olhares a decifram. No campo das artes visuais, a memória não é um arquivo inerte – é um organismo vivo, em constante expansão.
Recordar um artista não é um gesto nostálgico, mas um acto de activação: sua obra continua interrogando o presente. Alguns criadores transcendem seu tempo porque capturam algo essencial e perene – as tensões humanas, os conflitos sociais, os dilemas do espírito.
Malangatana Valente Ngwenya foi um desses artistas. Suas telas não pertencem apenas à história da arte moçambicana, mas à narrativa de um povo, ao testemunho visual de um país.
A exposição “Recordando o Mestre Malangatana”, realizada no auditório sede do BCI, não é apenas uma celebração, mas um acto de resistência. A cada traço, a cada explosão de cor ou composição intrincada, sua presença se renova, provando que sua arte não está no passado, mas pulsa no presente.
Os suportes escolhidos por Malangatana – óleo sobre tela, guache, aguarela, acrílico e tinta-da-china – não eram apenas decisões técnicas, mas gestos de permanência. O óleo oferece solidez, a aguarela, fluidez; o acrílico, agressividade. Nada é aleatório. O uso da tinta-da-china sobre papel revela a urgência da narrativa, exigindo um traço rápido, definitivo, sem hesitações.
As obras expostas trazem sua assinatura inconfundível: figuras compactas que se fundem além da anatomia, transformando-se em metáforas de um povo. Olhos multiplicam-se, corpos se encostam, rostos desafiam contornos fixos. Em sua obra, permanece a dualidade entre a força da identidade e a angústia da existência.
O que essas imagens dizem ao tempo presente? O contexto que habitamos ainda carrega as marcas do que ele denunciava e celebrava: o medo da dissolução cultural, a persistência das desigualdades, a violência – seja pelo apagamento simbólico, seja pela exclusão concreta.
Algumas telas transbordam urgência: o vermelho ardente e a fusão de formas evocam rituais ancestrais, um universo onde há olhos por toda parte – olhos que vigiam, questionam, clamam por resposta. O que nos dizem? Que o olhar do mestre nunca abandonou seu povo, que sua obra segue nos confrontando com nossas próprias ausências e silêncios.

Já as obras em preto e branco, menos estridentes, não são menos intensas. A repetição das figuras e a complexidade dos detalhes criam um mosaico social onde o individual e o colectivo se confundem. Aqui, a multidão não é cenário, mas personagem. Testemunha de uma sociedade oscilando entre opressão e liberdade, entre dor e reinvenção.
Aqui está uma conclusão mais fluida e conectada à importância da contemplação artística:
Contemplar a arte de Malangatana não é apenas revisitar um legédo, entretanto permitir que ele nos atravesse, nos desloque, nos obrigue a ver além do imediato.
Olhar suas telas é reconhecer que a arte carrega uma responsabilidade: a de preservar a memória, questionar o agora e expandir nosso entendimento do humano. Se ainda nos detemos diante de suas imagens, é porque elas não cessaram de dizer – e nós, talvez, ainda não aprendemos a escutá-las por inteiro.